Outro dia, conversando com uma amiga gorda sobre adolescência e namoricos, confessei algo que hoje acho terrível: antes, quando eu gostava de alguém, me imaginava com a pessoa, criava cenas e situações de nós juntos, ou seja, sonhava acordada, assim como todo mundo fazia, né. Até aí tudo ótimo. Só que em todas essas fantasias eu não era eu; eu era uma versão magra de mim. A fantasia nunca acontecia no presente, mas dali a alguns meses, que seria o tempo de eu emagrecer. Toda vez que lembro disso tenho vontade de voltar no passado e abraçar a minha eu adolescente. Para minha surpresa, a minha amiga disse que fazia a mesma coisa. Conversei com outras amigas gordas e elas admitiram o mesmo. Aí concluí que nem na nossa imaginação, nós, mulheres gordas, somos livres para amar e sermos amadas.
Primeiro de tudo: namorar, achar um par, a cara metade e essa coisa toda que crescemos acreditando, não é necessariamente a verdade absoluta. Namorar não é sinônimo de felicidade. A única pessoa que pode validar você, que “te completa”, “que pode salvar você” e que tem obrigação de te amar é você mesma. O amor próprio é o mais importante de tudo e um dos mais difíceis, ainda mais quando você é gorda ou fora de qualquer padrão. A gordofobia agride a gente todos os dias, ela está ao nosso redor o tempo todo, e se manter acima disso, conseguir passar por cima e ser feliz com você mesma do seu jeito é muito difícil, porém, fundamental. Dito isso, podemos, sim, ter desejos, vontades e sentimentos. Temos todo o direito de querer afeto. Independentemente da ideologia romântica que nos é enfiada goela abaixo, afeto é bom, é gostoso e se você quer ter isso, você tem todo o direito do mundo de alcançar esse objetivo, não importando o tamanho do seu corpo. Mas aí surge a pergunta: quem quer namorar a gorda?
Eu já ouvi mais vezes do que eu gostaria, inclusive da boca de amigos, a seguinte frase: “nada contra, mas eu não curto ficar com gordas, é uma questão de gosto, sabe?”. Galera que fala isso, deixa eu explicar uma coisa: o seu gosto não vem do nada, ele não é natural. Você não nasce só com vontade de pegar gente no padrão, esse padrão é construído. Crescemos achando o corpo gordo feio, indesejável, tendo uma neurose absurda de sê-lo. Isso é tão naturalizado que vocês falam “ai, não posso engordar”, “estou tão gorda, que péssimo” na frente de pessoas que de fato são gordas como se isso não fosse uma ofensa; como se falar “olha que bosta, meu corpo está ficando igual ao seu, quero morrer” fosse tranquilo e não vá afetar de modo algum quem está te ouvindo. Aí você quer virar pra mim e falar que não pega gente gorda por uma questão de gosto? Faça-me o favor.
Mais uma questão para refletirmos: vamos supor que o sujeito magro seja descontruído e passe por cima disso, mas ainda existem as pessoas em volta de vocês, a piada dos amigos, a reclamação da família, o preconceito nos olhares, e por aí vai. É bem impressionante como o amor é condicionado. Ele só é válido se for de uma tal forma, de um tal jeito, e a felicidade que é constantemente associada ao amor só alguns merecem ter. Porque, no fim das contas, essa é sempre a raiz do problema: os gordos não podem ser felizes nunca. Isso invalida a ordem das coisas no caminho para o pote de ouro da felicidade: só pode magra. Uma gorda feliz consigo mesma? Não pode, a gente vai oprimir até ela voltar a se odiar e querer entrar na fila da felicidade dos magros de novo. Demorou muito tempo para eu entender por que eu não conseguia transar com ninguém; por que tirar a roupa e ficar nua na frente do outro era tão assustador; por que ficar vulnerável era um risco diferente para mim; por que ir em uma boate e ficar sozinha em um canto enquanto todos os meus amigos estão com alguém não é minha culpa; por que não ter ninguém igual a mim em lugares assim não é coincidência; e, principalmente, por que eu mereço mais do que alguém que tenha vergonha de mim, e por que um relacionamento maduro e saudável é o mínimo aceitável. Migalhas nunca mais.
É importante lembrar que mesmo nós, gordos, não estamos imunes à visão gordofóbica das coisas. Ela é muito forte no mundo em que crescemos e vivemos. Até conhecer e me apaixonar por um gordo, eu de certa forma também torcia o nariz e me sentia nadando na hipocrisia. Óbvio que as atrações existem e não conseguimos criar uma onde não tem, mas dá para abrir a cabeça um pouquinho, cogitar pessoas e não as mandar direto para a pilha de pessoas impossíveis. É só dar uma chance para as coisas acontecerem; eu fiz isso e tive um relacionamento ótimo, até descobri que me sinto muito mais à vontade e confortável me relacionando com pessoas gordas.
Para mim, o amor é tão maior do que achar ou não uma pessoa bonita. Se apaixonar por alguém não é só se apaixonar pelo seu corpo, é se apaixonar pelo seu jeito, sua visão de mundo, seus pensamentos, sua risada. É tão mais coisa, e nós, gordas, não somos só o nosso corpo, somos pessoas completas e interessantes com muito a oferecer para os nossos companheiros. Porém, é sempre bom lembrar que não somos interessantes “apesar” de sermos gordas. Ser gorda faz parte do pacote e é lindo, porque isso faz da gente a gente. Para fechar, vamos recapitular que a primeira coisa mais importante de tudo é a gente se amar; a segunda é a gente se amar, e a terceira é sim, nós merecemos o amor que a gente quer e que nos faz bem, felizes e saudáveis, porque o amor é livre e é para qualquer um.
Originalmente publicado aqui.
Dani Feno, 26 anos. Quando era criança foi ao cinema ver Rei Leão a primeira vez e se apaixonou por essa coisa de ver filmes. Mais velha viu um seriado chamado Clarissa e pronto, a paixão passou para seriados também. Foi tão forte que agora trabalha em uma finalizadora de filmes e programas de TV, mas o que gosta mesmo é de editar vídeos para Capitolina. Gorda e feminista desde criança também (apesar de só saber que é esse o nome há pouco tempo). Acha que a melhor banda do universo é Arcade Fire e pode ficar horas te convencendo disso.